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CPI das Bets: Entre o Controle Parlamentar e o Espetáculo do Reality Show dos Influenciadores Digitais

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Monike Santos 

A criação da “CPI das Bets” em novembro de 2024 foi um importante movimento parlamentar para instrumentalizar a fiscalização pública sobre práticas potencialmente lesivas ao patrimônio público e à ordem econômica, especialmente no âmbito da lavagem de dinheiro e as consequências das publicidades de apostas online. A Comissão Parlamentar de Inquérito em questão que conta com a presidência do Senador Hiran (PP-RR) e relatoria da Senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), vem promovendo audiências com autoridades, executivos proprietários de plataformas e influenciadores digitais, incluindo Vírginia Fonseca e Rico Melquiades, visa investigar tanto os aspectos financeiros ocultos quanto os impactos sociais e econômicos na população brasileira. 

A preocupação com a temática se dá em virtude do fato do crescimento exponencial das plataformas de apostas online no Brasil, que mobilizaram cerca de 0,22% do PIB em apostas virtuais nos últimos 12 meses, suscitando preocupações quanto ao envididamento de famílias e ao vício em jogos de azar. E é nesse cenário que o Parlamento exerce sua função precípua de controle externo, a fim de não apenas responsabilizar eventuais ilícitos, mas também fornecer subsídios para a devida regulamentação e proteção de consumidores.

Ainda que seja legítima em seus propósitos, a maneira como vem sendo conduzidas as investigações dentro da CPI levanta questões importantes sobre a observância dos preceitos constitucionais e regimentais, sobretudo no que tange aos princípios do contraditório, da colegialidade e da proporcionalidade das medidas de compelir depoentes, de modo a evitar excessos e garantir o respeito às garantias individuais. O artigo 58, §3º, da Constituição Brasileira confere às CPI’s poderes de investigação limitados ao escopo de apuração de fato determinado e por prazo certo. Em complementação, a Lei nº 1.579/1952 e o Regimento Interno do Senado, por exemplo, detalham as competências dos parlamentares, incluindo a possibilidade de requisição de documentos, quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico, além da convocação de depoentes. Contudo, medidas cautelares mais gravosas, como decretação de prisão preventiva ou indisponibilidade de bens, são próprias ao Poder Judiciário, ressaltando o caráter inquisitorial e não jurisdicional das comissões parlamentares de inquérito. 

A seu turno, o Direito Parlamentar impõe, como um dos seus princípios basilares, a colegialidade, onde as decisões devem ser tomadas pelo colegiado, evitando deliberações ou atos unilaterais por parte do presidente da comissão ou mesmo do relator. Concomitantemente, o devido processo parlamentar demanda que o depoente goze de garantias como o direito ao contraditório, a ampla defesa e a presunção de inocência. Tais garantias ilustram a necessidade da intervenção judicial, como no caso do habeas corpus concedido à influenciadora Virgínia Fonseca (HC 256081), cujo relator foi o Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, que decidiu pelo dever de a influenciadora comparecer à CPI, mas que poderia permanecer em silêncio quanto a fatos que pudessem incriminá-la, sem sofrer sanções. 

Contudo, a ênfase em depoimentos midiáticos tem desviado o necessário foco técnico da CPI. Ao dar prioridade ao carisma de eventuais “celebridades”, os senadores acabam por relegar a segundo plano a análise aprofundada de estruturas societárias e fluxos financeiros das operadoras de apostas digitais. Eventual falta de transparência no critério de escolha de alvos e na divulgação de cronogramas de diligências compromete a legitimidade dos trabalhos e fragiliza a credibilidade do instrumento CPI perante a sociedade. 

A condução das audiências tem se transformado num verdadeiro espetáculo midiático – reality show, em que depoimentos de influenciadores ganham mais visibilidade do que os debates sobre os intensos fluxos financeiros e estruturas societárias das plataformas digitais. Ao priorizarem o carisma e o alcance em redes sociais de figuras como Virgínia Fonseca, os parlamentares acabam adotando uma lógica de entretenimento que evidentemente desvirtua o propósito investigativo da CPI, deixando de lado a profundidade técnica exigida pelo controle externo do Estado. 

As consequências dessa inversão de prioridades são graves porque comprometem a credibilidade da Comissão perante a sociedade, além de reduzir a percepção pública do processo legislativo a um “reality show”, culminando no enfraquecimento da confiança das instituições democráticas, por correr o risco de negligenciar provas documentais e perícias financeiras, informações essenciais para responsabilizar os verdadeiros operadores da lavagem de dinheiro. Ou seja, o Parlamento sacrifica a rigorosa apuração dos fatos em prol de pautas midiáticas e acaba por colocar em xeque o seu próprio mandato constitucional de tutelar o interesse público e proteger a ordem econômica, deixando de cumprir o papel conferido pelo texto constitucional.

Desse modo, aprimorar a eficácia e a constitucionalidade do processo investigativo, se faz primordial que a “CPI das Bets”, observe estritamente os procedimentos regimentais, submetendo deliberações relevantes à votação nominal e consultando o corpo jurídico do Senado, estabelecendo uma transparência ativa, com divulgação de relatórios parciais, critérios de seleção de depoentes, em consonância com os princípios da publicidade e da razoabilidade, privilegiando o rigor técnico e legal em vez de audiências sensacionalistas. Somente assim a CPI das Bets poderá cumprir seu papel de exercício legítimo do poder de investigação, contribuindo para o fortalecimento do Direito Parlamentar e para a proteção da ordem econômica e dos direitos fundamentais dos cidadãos.

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